quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Um "orçamento qualquer" é suicídio

A crónica "A Tempo e a Desmodo" de Henrique Raposo (Expresso Online):

Um "orçamento qualquer" é suicídio



"Défice das administrações públicas agrava-se para 9.5%". "Empresas públicas incapazes de limitar o endividamento". Mas, calma, a pressão mediática está sobre o aumento de impostos. Estão a gozar com quem?

I. Às vezes, tenho a impressão de viver num país gerido por loucos viciados em táctica politiqueira, e sem um pingo de respeito pelos factos e números da Política. De forma inacreditável, o spin de José Sócrates tornou-se uma espécie de mantra nas redacções (e em Belém?). Em Maio, Sócrates pediu-nos mais impostos e prometeu cortar na despesa. Agora, o homem quer mais impostos e está provado que não cortou na despesa. Mas, mesmo assim, e olhando para o ambiente que se respira, até parece que o culpado disto tudo é Pedro Passos Coelho. Passos manteve a parte do seu acordo, está a defender a sociedade de mais impostos, mas tem toda a pressão do seu lado. Não é isto patético? Passos tem os melhores economistas do seu lado, mas o país mediático só está interessado na jogatana politiqueira de Sócrates. Quando é que este circo spinado acaba?

II. Enquanto o país mediático vive na ficção da crise política criada por José Sócrates a partir de Nova Iorque (um hino à responsabilidade política, portanto), a realidade vai dando razão a Passos (e a Portas): a despesa não pára de aumentar. Todos os dias saem mais notícias que provam um descontrolo da despesa. Hoje temos, bem fresquinhos, um "défice das administrações públicas agrava-se para 9.5%" e um "sector empresarial do Estado incapaz de limitar o endividamento" . Porém, a questão que está em cima da mesa é o aumento de impostos e não a redução da despesa. Mas estão a gozar com quem? Isto até parece brincadeirinha. O país inteiro está em cima de uma montanha de dívida, que não pára de aumentar, e aquilo que a elite discute é o aumento de impostos? O spin de Sócrates é mais forte do que a realidade?

III. Como é óbvio, este cenário surreal inventou outra teoria linda: é a crise política dos últimos dias que está a fazer disparar os juros da nossa dívida. Esta teoria é genial, mas tem vários problemas. Os juros já estavam a subir desde final de Agosto. Porque os juros sobem não por causa de guerrinhas verbais (se assim fosse, os juros da Holanda estavam nos 10%), mas por causa de factos económicos bem concretos:

- Portugal tem o maior endividamento externo da UE (muito acima dos 200% do PIB).

- Portugal tem uma dívida pública imensa (85% do PIB, sem as tais parcerias público/privadas; com as PPP, vai até que marca? 110%, 120%?).

- Portugal não consegue mexer nos problemas estruturais que impedem um crescimento económico sustentável (código laboral, lei das rendas, justiça).

- Tudo isto quer dizer que Portugal não vai sair do crescimento reduzido dos últimos dez anos (inferior a 1%), e, por isso, os credores começam a pensar que não vamos conseguir pagar aquilo que eles nos emprestaram.

IV. Sem um orçamento que ataque isto de frente, os juros da dúvida não vão parar de aumentar. A ideia de que temos de aprovar um qualquer orçamento é suicidária. Um orçamento que não ataque a despesa e que aumente impostos é o melhor caminho para chamarmos o FMI. E começo a achar que é isso que o PS quer.

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